terça-feira, 23 de novembro de 2010

Uma Lenda do Deserto

Eeeeee mais uma vez, trago para vocês uma inspiradora história para refletirmos sobre o nosso dia-a-dia! Então, vamos nessa!


O rio Tifnut, que desce das montanhas de Likun, no interior marroquino, para despejar suas águas barrentas junto à cidade de Agadir Isir, no Mediterrâneo, apresenta em seu longo e acidentado percurso um trecho onde a correnteza esbraveja em espadanadas e cuja travessia é quase impraticável ao mais temerário aventureiro. Ali - dizem os árabes - a morte, com sua máscara de espuma, vem bailar, como louca, à tona d'água. Este sorvedouro começa pouco abaixo do oásis de Tarundant e vai até as proximidades de uma pequena aldeia - denominada El-Kibir - onde foi sepultado, há séculos, o milagroso Simi Ahmed, santo famoso do Islã.

É precisamente entre as velhas aldeias de Tarundant e El-Kibir que o viajante encontra, nas margens do rio impetuoso, uma das curiosidades mais atraentes de Marrocos. É uma pedra alta, negra, lisa, que semelha um dedo gigantesco a apontar eternamente para o céu de Alá. Esse belo monumento da natureza, os indígenas e muçulmanos denominaram Uada - vocábulo que na língua árabe significa "Promessa feita a Deus".

Conta-se, a propósito do rochedo de Uada, que quando o tão ambicionado território de R'arb se achava sob a dominação das legiões romanas, apareceu na Argélia um marroquino que se tornou célebre em razão de seus grandes conhecimentos de magia e que lhe valeram ascendência notável sobre todos os djins e efrites que povoavam a região.

Chamava-se Tala-Salem Adafer esse mago.

Refere a lenda, uma das mais curiosas do Oriente, que um dia o poderoso Adafer resolveu fazer uma viagem aos tenebrosos desertos e aos ricos oásis do país dos tuaregues. Antes, porém, de partir, colocou em sete jarros de bronze todas as pedrarias, ouro e jóias que possuía, e escondeu o precioso tesouro sob uma grande pedra que se erguia junto ao rio Tifnut. A pedra era encantada e, semelhante àquela que aparece nas fantásticas aventuras de Ali Babá, só se abria - deixando a descoberto os tesouros do mago - se alguém pronunciasse diante dela certa palavra a que a magia emprestava especial poder.

O sábio ocultista não revelou a quem quer que fosse a palavra encantada que permitia a posse de seus invejáveis bens. Partiu para a longa jornada e - segundo diz a lenda - nunca mais voltou. Fora morto no Saara pelo punhal certeiro dos tuaregues ou pereceu sob as garras de alguma pantera nas planícies africanas. E o tesouro fabuloso ficou, para todos os tempos - no desfilar dos séculos - oculto pela pedra negra, contra a qual o Tifnut espumejava em sua atroadora descida pelas montanhas.

Um dia, dois beduínos em viagem para Tiznit pararam junto à célebre Uada. Sentaram-se despreocupados à sombra do famoso rochedo e puseram-se a conversar enquanto aguardavam a hora da terceira prece muçulmana.

Um dia, dois beduínos pararam junto à célebre Uada.
- Qual é o nome do teu camelo? - perguntou um.
- Qual é o nome do teu camelo? - perguntou um dos beduínos ao companheiro.

- Pelos sete minaretes de Meca! - respondeu o outro. - Ainda não me lembrou um nome digno do meu belo jamal, que, como sabes, descende da célebre camela Niami do califa Al-Mammum!

- Se queres apenas um nome - garantiu o primeiro - é fácil tarefa obter um que te agrade. Por que não dás ao teu camelo o apelido de Al-anis?

- Não serve, amigo! É muito vulgar.

- Al-Takkis!

- Não serve, também. É pouco sonoro.

- Al-Jabal! Abyad!

- Já tive um cavalo com esse nome.

E assim, durante várias horas se entretiveram os dois beduínos: o primeiro a citar uma série infindável de nomes que o outro não aceitava sob diversos pretextos.

De repente, porém, notaram os dois companheiros que, da outra margem do rio, um grupo numeroso de camponeses e viajantes acenava para eles, gritando ao mesmo tempo coisas, que o ruído constante das águas não lhes permitia ouvir.

- Que quererão aqueles homens? - observou, intrigado, um dos beduínos.- Há que tempo estão a gritar e a fazer-nos de lá sinais como se pusessem empenho em que os compreendêssemos.

- É curioso! - tornou o outro. - A correnteza do rio impede-os, com certeza, de chegarem até aqui. Parecem aflitos. Por Alá, não sei o que eles querem!

Mal havia o beduíno pronunciado tais palavras, um estrondo medonho abalou o espaço como se a pedra negra e formidável, abalada por um diabólico esforço, tivesse caído, esmagando tudo!

Compreenderam logo os dois aventureiros do deserto o que ocorrera. Durante a longa conversa, um deles, sem querer, havia pronunciado a palavra encantada que permitia abrir, uma única vez, a gruta maravilhosa em que estava o tesouro do mago; como porém estivessem sentados de costas para o rochedo, não haviam dado pela extraordinária revelação. Os pastores da outra margem viram, entretanto, desvendado o segredo da pedra e tudo fizeram para chamar a atenção dos despreocupados beduínos, pedindo-lhes em altas vozes que não pronunciassem o nome de Alá, o Altíssimo, pois iriam, assim, desmanchar o encantamento da palavra mágica e o tesouro ficaria para sempre perdido.

Quantos homens há que à semelhança dos dois beduínos dessa lenda têm, por longo tempo, ao alcance das mãos, um invejável tesouro e nem sequer pressentem o brilho ofuscante de suas raras pedrarias!



Do livro Lendas do Deserto, de Malba Tahan

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