quarta-feira, 17 de novembro de 2010

As Três Recompensas

Não me culpem. Tive uma manhã cheia e não deu tempo de preparar o post de hoje. Daí eu decidi postar mais uma história do Malba Tahan. Sim, eu sei que vocês gostam! Então, vamos lá!



Era em Mossul, na terceira lua do mês de Rajeb-aul do ano 403 da Héjira.

A grande caravana de mercadores, que seguia anualmente para Basra, com estofos e sedas, terminara os últimos preparativos para a longa jornada pelo deserto.

Ao cair da noite, o jovem Abul Firaz ibn Kharsian — o mercador — chamou seus guias, servos e escravos e disse-lhes:


— Amanhã, ao nascer do dia — se Allah quiser! — Partiremos com a nossa caravana para Basra, acompanhado a estrada de Erbil e Kerkuk. Quero, à hora da partida, que todos os homens estejam prontos, os camelos carregados e as tendas arrumadas! Mahissalemá! Podem ir! Que Allah os proteja!

Saíram todos. Abul Firab ficou a sós em meio de sua tenda a meditar. Sobre seus ombros pesavam as responsabilidades de chefe da caravana. Seria bem sucedido? Seria infeliz? Só Allah — o Altíssimo — conhece o futuro dos homens; tudo o que ocorre na terra está escrito — Maktub! Que adianta, pois, pensar no dia de amanhã?

 Assim meditava o jovem Abul Firaz, quando ouviu que alguém de fora chamava repetidas vezes pelo seu nome.

— Uallah! Quem chama por mim que entre! — exclamou.

Surgiu então, diante dele, um homem alto, forte, vestido com apurado gosto. Fazia-se acompanhar por um escravo hindu que empunhava grande lanterna de duas luzes.

— Por Allah sobre ti! — exclamou Abul Firaz — Que desejas de mim? Qual o motivo de tão inesperada visita? Não sabes, ó muçulmano!, Que devo partir amanhã para Basra?

— Perdoai-me, ó jovem! — respondeu — se em tão má hora venho procurar-vos! O meu amo e senhor, o cheique Chihab-Eddin El-Ghazzaru El-Kahyyat, deseja falar-vos com a máxima urgência!

Abul Firaz conhecia, desde muitos anos, o cheique El-Kahyyat — o homem mais rico e generoso de Mossul. Aquele chamado estranho e inesperado causou-lhe porém, indizível surpresa.
      
— Irei dentro de alguns minutos ao palácio do cheique — respondeu sem hesitar — Sei que ele é justo e honrado. Queira Allah, porém, que não me venha a suceder, por sua causa dessa visita, alguma desgraça!

Momentos depois chegava Abul Firaz ao grande palácio de El-Kahyyat. O ancião, que se achava no leito, gravemente enfermo, pediu ao mercador que se sentasse perto dele e, depois de fazer com que todas as outras pessoas deixassem o aposento, disse-lhe, em tom confidencial:


— Só hoje, ó jovem, fui avisado da tua partida para Basra como chefe da grande caravana de mercadores. Sei que és honesto e valente. Julgo-te o único homem capaz de levar até Basra uma vultosa quantia em dinheiro.

— E para quem é esse dinheiro? — perguntou Abul Firaz.

Respondeu o cheique:

— Escuta, meu filho. Estou velho e sinto-me doente; bem sei que poucos dias me restam de vida. Não quero, entretanto, morrer sem ter enviado uma boa recompensa e melhor auxílio a três homens de Basra.

— Samaan wua taatam! Escuto-vos o obedeço-vos! — respondeu Abul Firaz. — Juro pelo profeta e pelo Livro Sagrado que farei exatamente o que por vós me for determinado!

O rico cheique depois de agradecer, comovido, a dedicação de Abul Firaz, apontou para três caixas que estavam no chão e disse-lhe:

— Aquelas  caixas encerram o dinheiro que desejo enviar. Na primeira, que é a menor de todas, há mil dinares de ouro; a segunda contém dois mil dinares; a terceira, que é das três a maior, encerra cinco mil! Em Basra, quando lá chegares, deverás entregar a primeira caixa a um velho joalheiro chamado Walid Ben-Mamid que mora junto ao mercado; a segunda entregarás ao famoso escriba, Ali Mahomed Selam, El-Batal; a terceira, finalmente a mais valiosa, deverá ser entregue a um dos ulemás de Basra, o judicioso Hamed Abdallah El-Hasein, que mora no quarteirão de Ech-Chunha!

— Cheique dos cheiques! — exclamou Abul Firaz. — Perdoai-me a curiosidade! Que fizeram, porém, esses homens para receber tão grandes recompensas?

— Prestaram-me inestimáveis serviços! O primeiro, a quem mando a caixa de cinco mil dinares arriscou, certa vez, a vida para salvar todos os meus haveres! A esse homem generoso devo a riqueza que possuo!

— Por Allah! — contraveio Abul Firaz. — Creio bem que a esse corajoso muçulmano é que devia caber a maior recompensa! Por que recebem os outros dois quantia muito maior?

— O motivo é simples — explicou o ancião. — Se na verdade o primeiro livrou-me da miséria salvando os meus bens, o segundo, a quem mando dois mil dinares, salvando-me certa vez a vida, livrou-me da morte! E bem sabes, ó jovem, que acima das maiores riquezas da terra devemos colocar a nossa vida!

— Cheique generoso! — retorquiu o jovem. — Se, pela vontade do Onipotente, Ali Mohamed vos arrancou das garras da morte, por que não cabe então a esse vosso abnegado salvador a dádiva mais preciosa? Não há, penso eu, para o homem, bem mais precioso que a vida! Não vejo, pois motivo algum para que o sábio Hamed receba a recompensa maior!

— Em teu julgamento escasseia a ponderação — advertiu o cheique. — Garanto-te, porém, que dando ao ulemá a maior recompensa, procedo com lealdade e justiça. E a razão é simples. O generoso Hamed Abdallah conseguiu, certa vez, desfazer uma grande intriga que contra mim preparavam os homens perversos e invejosos. Não fora o valioso auxílio desse grande amigo eu seria acusado injustamente e preso como ladrão! Ao sábio Hamed Abdallah eu devo, portanto, o nome puro e honrado que hoje tenho!

E o ancião concluiu com voz pausada e clara:

— Bem sabes, ó jovem! Que acima das riquezas e da própria vida deve o homem colocar, bem alto, a sua honra!







Quanto a nós. Quais estão sendo as nossas prioridades? O que estamos mais valorizando em nossa vida?

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