quinta-feira, 12 de abril de 2012

Treze, sexta-feira

O caso passou-se em Timbuctu, a Misteriosa. É uma cidade do Sudão, refúgio de tuaregues, caçadores negros, mercadores de sal, e árabes aventureiros. Fica nas margens do rio Niger, em plena África Ocidental Francesa.
Viveu outrora em Timbuctu um rei chamado Nezigã, o Calmo. Do retrato de Nezigã concluímos que êsse monarca era cordato, justo e muito ingênuo. Um simplório, enfim, mas de bom íntimo.
Esse rei ouviu dizer que a decadência dos sukés (tribo que habitava Timbuctu) decorria das superstições grosseiras que envenenavam a alma daquela pobre gente:
"Os sukés são pobres, indolentes, atrasados e incapazes porque se deixam dominar por crendices absurdas e sórdidas. Aceitam como verdade as ideias mais torpes e ridículas. Acreditam nos amuletos, nas benzeduras e nos feitiços. Admitem que a ferradura dá sorte, que o canto da coruja é de mau agouro, que o lobisomem aparece galopando por sete estradas em noite de temporal e que há pessoas de mau-olhado. Cultivam as bruxarias e esconjuros mais inverossímeis inventados pelos mágicos e mandingueiros."
Horrorizou-se o rei Nezigã ao ouvir tão graves denúncias. Em seu povo a superstição grosseira entrava pela alma como o ar entra pelos pulmões de um rinoceronte.
Os peixes que cruzam o Niger, na época das chuvas, eram menos numerosos que as crendices cultivadas com fanatismo pelos sukés. Um habitante de Timbuctu seria incapaz de entrar num barco, atravessar a soleira de uma casa ou subir numa árvore com o pé esquerdo. Nunca. Todos os passos sérios, na vida de um bom suké, deviam ser iniciados com o pé direito. Sempre com o pé direito, pelo lado direito. A superstição máxima do povo era relativa ao número treze.
- Que Treze? - estranhou o rei Nezigã. -Que tem esse número com a vida de meus súditos? 
Um ministro bajulador e loquaz, informou, logo, ao crédulo monarca:
- A gente inculta desta boa terra acredita na ação maléfica do número treze. Esse número é
apontado como a conta mais funesta entre todas as contas. Treze é sinônimo de desgraça, de doenças graves, de morte. Reunião de treze pessoas acaba em luto e desesperação. Escada com treze degraus é queda inevitável. Casa com treze janelas, roupa com treze botões, caravana com treze camelos, carta com treze linhas, frase com treze palavras, horta com treze melancias, tudo, enfim, que some treze, deve ser evitado. O treze é sinal de luto; é número azarento, calamitoso!
Nesse ponto o rei Nezigã interrompeu o seu vizir informante e indagou:
- E o dia treze? Entra esse dia na contagem funesta do meu povo?
Esboçando nos lábios o veneno de um sorriso irônico o vizir bajulador respondeu:
- Cumpre-me dizer, ó Rei!, que é essa a superstição mais séria dos sukés. Quando acontece o dia treze cair numa sexta-feira (dupla crendice) o povo fica alarmado. Dia treze, sexta-feira, em Timbuctu, é dia de luto nacional. Cessa toda a atividade. Os pescadores recolhem seus barcos; os caravaneiros fecham-se em suas tendas; os carregadores de sal deixam-se ficar, como dervixes mendicantes, debaixo das árvores olhando assustados para as nuvens cinzentas debruadas de ouro que rolam pelo céu. É um dia perdido para a vida da cidade!
Aquela crendice relativa ao dia treze irritou o soberano sudanês. Era um absurdo, um exagero.
- Acabemos com tais superstições - arrematou o monarca com voz surda. - É preciso convencer o povo de que o dia treze, seja sexta-feira, sábado ou domingo, é um dia como outro qualquer do calendário.
Decorridas poucas semanas, verificou-se a coincidência: as folhinhas assinalavam TREZE, sexta-feira! Nesse dia, pela manhã, o rei Nezigã reuniu seus vizires e declarou enfaticamente que ia festejar, com incomparável pompa, o dia Treze. Majestoso cortejo, no qual figuraram treze elefantes ricamente ajaezados e treze carros adereçados com flores e bandeiras, desfilou pelas ruas. Os elefantes conduziam o rei Nezigã e sua corte (ministros, oficiais, doutores, juízes e embaixadores); nos carros iam músicos, palhaços, faquires e encantadores de serpentes. Por determinação de Sua Majestade, as casas deviam ficar abertas e o povo
era convidado a assistir ao aparatoso desfile. Logo, em meio da marcha festiva, o rei Nezigã (do alto de seu pesadíssimo elefante) observou que havia, na praça principal, uma casa inteiramente fechada.
O rei em cima de seu elefante.
- Quem mora ali? - inquiriu o rei, dirigindo-se a seu ajudante-de-ordens. O interrogado prontamente informou:
- Reside naquela casa um sujeito chamado Talig Mospel, rico negociante de sal. Recusou-se a tomar parte na festa por ser hoje dia treze e sexta-feira. Alegou que tem medo de azar e que prefere ficar fechado em casa, numa sala escura, rezando.
Enfureceu-se o rei ao ouvir aquela informação.
- Esse mercador de sal não passa de um ignorante. Faremos obra altamente meritória arrancando do espírito desse homem essas crendices idiotas. Determino que ele seja trazido à minha presença!
A ordem foi logo transmitida ao corpo da Guarda Roxa - uma espécie de polícia-especial de Timbuctu. Que fizeram os homens da Guarda Roxa? O rei pediu dois e eles completaram duzentos. Arrombaram as portas do prédio em que morava o honrado mercador, arrebentaram as janelas, partiram os móveis, agrediram os moradores e prenderam o dono da casa que, afinal, já ferido, meio aparvalhado, com as vestes em frangalhos, foi levado à presença do rei. Desceu o monarca de seu elefante e veio ao encontro do preso.
- Meu amigo Talig Mospel - disse-lhe com vaidosa entonação - queria apenas aconselhá-lo a deixar essas superstições grosseiras que denotam ignorância e atraso. O dia treze, convença-se da verdade, é um dia como outro qualquer!
O pobre homem ajoelhou-se diante do rei e, depois de beijar a terra entre as mãos, assim falou com voz desolada e um pasmo idiota na face:
- Como poderei, ó Rei!, convencer-me de uma coisa que os próprios fatos desmentem? Como negar a evidência sob a luz da verdade? Logo hoje, precisamente hoje, por ser treze, sexta-feira, o negro azar foi cair sobre mim. Minha casa foi assaltada, meus filhos espancados e eu, ferido e injuriado, sou arrastado pela rua como se fosse um criminoso da pior espécie. E isto tudo por quê? Por ser aziago e funesto o dia treze, sexta-feira!
Não encontrou o rei Nezigã, o Calmo, palavras que pudessem justificar as violências praticadas contra o honrado mercador de sal. Arrependeu-se de ter promovido aquela passeata ridícula com faquires e encantadores de serpentes. Mandou dissolver o cortejo e, abatido pelo fracasso de sua infeliz iniciativa, voltou para o palácio.
Figurava, porém, entre os vizires do rei, um certo Kahn Tazuk, homem judicioso e sábio. Ao notar a tristeza e o desânimo do monarca, o ministro Tazuk, sempre transigente e benévolo, achou que seria de bom-aviso consolar o pávido monarca. Acercou-se, pois, do chefe africano e, arqueando-se em solene cortesia, assim falou:
- Permiti, ó Rei do Universo!, que manifeste a minha obscura e desvaliosa opinião sobre o caso. Seculares superstições, enraizadas na alma do povo, não podem ser eliminadas com cortejos de músicos e palhaços. Só há um meio de combater as crendices que entravam o progresso e estiolam as energias - é por meio da educação e da instrução. É preciso instruir e educar os homens para livrá-los dos fantasmas, libertá-los dos duendes e desembaraçá-los das abusões. Proporcionando ao povo instrução sadia e bem-orientada (tendo essa instrução caráter nitidamente educativo), as superstições nocivas, ridículas ou perniciosas vão, pouco a pouco, desaparecendo. As crendices, na Antiguidade, eram muito mais numerosas do que são hoje. Quem, nos dias que correm, vê no rebrilhar do raio ou no ribombar do trovão uma advertência de Júpiter? Ninguém. Há superstições que desaparecem; outras há que surgem aqui, transfiguram-se com o passar dos séculos e vão reaparecer, irreconhecíveis, em clima bem diverso. E, muitas vezes, o fato hoje proclamado como verdade científica não passa, amanhã, de ridícula crendice. Hoje, ciência; amanhã, superstição! Levemos, pois, a luz da Instrução ao povo; eduquemos os homens e veremos como eles se libertam dêsses ridículos sortilégios e acabam com as feitiçarias!
Concordou o rei Calmo com as sábias palavras de seu preclaro ministro e comentou muito sério, olhando-o de esguelha:
- Você tem toda razão, meu caro Tazuk! Hoje não era, realmente, um dia indicado para iniciar a nobre campanha contra a superstição. Desci da cama, sem querer, com o pé esquerdo; ao atravessar o salão, pela manhã, avistei aquele servente magro, meio calvo, que tem jetatura; quando cheguei à janela vi um gato preto no jardim e ouvi um pescador, na rua, cantando: "chô, chó, peixe fino, chô, chó"! Essa música me dá um azar incrível para a semana inteira. Precisamos consultar um oráculo-benzedor e escolher um dia auspicioso em que os astros estejam em boa posição.
Ao ouvir aquelas palavras do rei Nezigã, o douto ministro Tazuk franziu a testa, retorceu a boca e arregalou os olhos. O monarca sudanês era mais supersticioso do que um pobre e desprezível cameleiro do deserto africano.
(Adaptado de Malba Tahan... só não lembro qual livro! xP)

E vocês? Acreditam em alguma superstição? Ou preferem acreditar na proteção amorosa de Deus? Comentem!
Piadinha velha, mas que eu não pude evitar...

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